“Uma
rosa é uma rosa”
Gertrud Stein
ROSAS COR DE FOGO
Num artigo recente sobre a beleza de Gisele
Buendchen, o historiador de arte Rodrigo Naves citava Immanuel
Kant, para quem o juízo estético é desinteressado.
Na interpretação de Naves, o filósofo
iluminista pretendia assim significar que “ao julgarmos
uma flor ou uma obra de arte não estamos preocupados
com a sua existência real, com uma possível utilidade”.
Afinal, seria estulta ousadia pretender colher “As Papoulas”
de Monet, sentar-se na poltrona junto da “Odalisca”
de Matisse ou desnudar de vez “A Bela Romana”
de Modigliani.
Mas, ao que vem o cabimento deste intróito. É
que ao deparar com as “mulheres hindus” de Rosa
Amaral me lembrei do juízo sapiente de Kant e da citação
lúcida de Naves.
No ato de vislumbre destes vultos “vestidos cor de fogo”
– a ponto de poderem inspirar José Régio
em mais uma “História de Mulheres” –
fui tomado por um comprazimento visual esteticamente desinteressado
de (pré)juízos, sejam os segregados pela materialidade
dos corpos, sejam os ciciados pela fisicalidade da carne.
Por essas náiades egressas das monções
não demorei a me apaixonar, provido de um respeitoso
pudor, isento de assomos lúbricos, imune aos assédios
lascívia.
Nem um fauno, fabulei, ousará corromper a “Vénus
e as Três Graças”, de Boticelli, nem um
sátiro terá o topete de desflorar “La
Jeune Fille portant une corbeille des fleurs” de Renoir,
nem um centauro, simulacro da morte, nutrirá o desplante
de prostituir a “Manao Tupapau”, de Gauguin. Nem
sequer Pã se armará de jactâncias para
lançar o pãnico entre estas ninfas de flamboyant
vibração.
As “indianas” de Rosa Amaral me suscitaram também
a evocação de uma coleção haute-couture
de sáris. Por que não imaginar as rugas e nervuras
das telas de papel colado, como esboços dos drapejados
desses mantos diáfanos e sedosos, ocultando e insinuando
as graças de Vénus…?
Ungidas com os santos óleos de Rosa, elas não
estampam beleza, que não põe a mesa. Espargem
beatitude, sem finitude. Libertas do estigma das castas, estas
personas, embora retenham na fisionomia a ascendência
hindu, deixam transparecer a aura de uma mestiçagem
planetária, quem sabe alienígena.
Nos devaneios de um aplomb similar ao das “Bailarinas
Violetas” de Degas cometi apenas a ousadia de divisar
a be…atitude de Yasmeen Ghauri. Como as rosas de Cartola,
estas pétalas flamantes de Rosa simplesmente exalam
o perfume que roubam de ti.
Danyel Guerra
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